Durante décadas, a Vó Palmira complementou todas as suas afirmações sobre o futuro com um “se Deus quiser”. A esse “se Deus quiser” eu contrapus durante anos com um “se eu quiser”, pois segundo eu e o que mais alguns iluminados pensavam, cada um faz a sua sorte. Era novo e mal sabia eu que do lado da Vó Palmira estava um dos grandes prémios nobel da economia.
Em 1974, Friedrich August von Hayek começou o seu discurso de aceitação do prémio nobel ” the pretence of knowledge“ com um grande estrondo: “as a profession we have made a mess of things”. E continua por ali fora numa brilhante desconstrução da economia enquanto ciência que, para ultrapassar alguns complexos de inferioridade em relação às ciências exactas, enveredou por um caminho de cientificação aplicando técnicas matemáticas onde elas claramente não eram chamadas.
Para Hayek, as ciências sociais lidam com estruturas essencialmente complexas, ou com o que Warren Weaver chamou fenómenos de complexidade organizada. Uma das mais marcantes características destes fenómenos é que, sendo possível traçar tendências para o todo, não se pode prever o comportamento de uma das partes. Quando aplicado aos mercados, esta característica observa-se particularmente no fenómeno de formação de preços. Para a determinação do preço de um bem num determinado mercado irão entrar as informações particulares de cada um dos indivíduos que participam no processo do mercado, gerando um somatório de factos que, na sua totalidade, não podem ser conhecidos pelo observador científico. Os académicos espanhóis Luis de Molina e Juan de Lugo y Quiroga já tinham descrito no século XVI o pretium mathematicum o qual dependeria de tantas circunstâncias particulares que não poderia nunca ser do conhecimento de um indivíduo mas que seria do conhecimento apenas de Deus (Vó Palmira: “dou a mão à palmatória”).
Por isso, quando algum economista faz previsões sobre o futuro de uma qualquer variável não posso senão rir um pouco por dentro. Não faltam casos anedóticos como o de José Gomes Ferreira em 2014 a avaliar o preço das ações do BES afirmando a impossibilidade da sua falência, ou o do famoso economista Irving Fischer a assegurar aos leitores do New York Times que a recente alta nos preços das acções não era motivo para alarme, isto 9 dias antes do início da crise bolsista de 1929.
És activo ou passivo?
Há muitas divisões em termos de filosofias de investimento mas nenhuma é tão fundamental e tão preditora dos resultados esperados do investimento como a que separa os investidores activos, ou seja, aqueles que pensam ser possível ter alguma capacidade preditora sobre o comportamento futuro dos preços, dos investidores passivos que, como eu, assumem a incapacidade sistémica de prever o comportamento de qualquer fenómeno económico-social, para além de tendências muito amplas e gerais.
Uma filosofia de investimento activa parte do princípio que o mercado não é eficiente na determinação dos preços, e que muitas vezes esses preços estão errados. Partindo desse pressuposto, um investidor activo assume que sabe mais do que o “mercado” e que consegue prever se o preço de um bem irá subir ou descer (seja uma empresa, uma casa, etc) e vai explorar essa sua vantagem de conhecimento com o intuito de conseguir um lucro.
Os investidores passivos aceitam que os preços dos mercados estão muitas vezes errados, mas assumem que não conseguem prever o que irá acontecer ao preço de um bem específico. O investidor passivo procura identificar tendências alargadas de longo prazo e investir nessas tendências.
Nada como um exemplo prático para perceber melhor as diferenças: o conjunto das maiores empresas cotadas em bolsa dos EUA cresceram durante as últimas décadas a um ritmo aproximado de 9% ao ano. Com todo o ruído que anda à volta do sobe e desce das bolsas é fácil esquecer que há negócios e pessoas concretas que estão representadas neste número de 9%. Uma outra forma de o frasear será dizer que o conjunto de colaboradores, cientistas, operadores, instituições estatais, etc foram desenvolvendo e inovando produtos e serviços que subiram de valor ao ritmo de 9% ao ano. Se acreditas que toda esta inovação e crescimento vai continuar, então faz sentido tentares capturar um pouco desse crescimento.
Um dos tipos de investimento que os investidores passivos utilizam para participar neste crescimento é um fundo índice do S&P 500 sobre o qual já tinha escrito num artigo anterior. Vou partir este fundo em partes e explicar porque é que do ponto de vista de um passivo este fundo cresce de uma forma consistente:
- Uma acção de uma empresa é um título de propriedade de uma parte de uma empresa.
- Um fundo de investimento em acções resulta de um conjunto de investidores que se juntam para comprarem um conjunto de acções. Uma unidade de participação é um título de propriedade de uma parte de um fundo de investimento.
- Um fundo índice, é um fundo de investimento que tenta reproduzir a totalidade do comportamento de um mercado (ou de uma fatia substancial desse mercado).
- O S&P 500 representa o preço das 500 maiores empresas no mercado accionista dos EUA, ponderado pelo tamanho dessas empresas, sendo atualizado de forma automática. Estão lá incluídas a Apple, Amazon, Coca-cola, etc… Chama-se S&P porque é publicado pela Standard & Poor’s
- Ao comprares um fundo índice estás a comprar um pequena parte de todas estas empresas e no fundo tens todos os trabalhores e empresários destas empresas a trabalhar para ti.
- Ao comprares um destes fundos índice estás a fazer uma aposta que o engenho de todos estes trabalhadores e empresários organizados nestas 500 empresas vai continuar a produzir ganhos de eficiência e de produtividade e melhoria das condições de vida.
Um investidor activo irá olhar para estas mesmas 500 empresas e identificar quais as que estão sub ou sobre avaliadas e a partir daqui fazer apostas sobre o que vai acontecer com algumas dessas empresas específicas no futuro. Um investidor passivo irá tentar capturar o máximo do valor criado pelo conjunto dessas empresas, tendo consciência que algumas empresas vão crescer, outras irão à falência, mas que não consegue saber quais e com a convicção de que o mercado como um todo irá crescer na medida em que representa os ganhos reais da economia.
Para justificar adoptares uma estratégia activa, pagando a um perito, ou gastando o teu tempo a escolher acções de empresas, terias de conseguir ter um melhor resultado do que o S&P 500. Sobre esta comparação a ciência é clara: há muito poucos peritos capazes de o fazer. Num estudo de 2005, L. Barras , O. Scaillet e R. Wermers analisaram o comportamento de 2076 fundos de investimento com uma filosofia activa comparados ao índice de acções correspondente. As conclusões falam por si: 76,6% dos fundos têm vantagem igual a zero, 21,3% tem resultados negativos e só em 2,1% dos fundos os gestores conseguiram efectivamente resultados melhores do que um fundo índice.
E dar para os dois lados?
O Alex perguntou-me recentemente se eu sabia como comprar acções de empresas tecnológicas antes de elas irem para bolsa, pois ele está muito por dentro da tecnologia e consegue antecipar quais vão ser as próximas grandes empresas tecnológicas. Sei que sou um chato, mas lembrei-lhe de dois truques que o nosso cérebro nos costuma pregar:
- o hindsight bias: quando achamos hoje, que no passado sabíamos o que ia acontecer. Por exemplo, eu sempre disse que o Trump ia ganhar as eleições;
- e o survivorship bias: a tendência para à posteriori apenas termos em consideração as previsões que sobreviveram. Eu previ em 2000 que a Google ia ser a maior empresa tecnológica do século XXI, mas também previ que o Myspace, o Pets.com, o Napster, o Yahoo, o altavista iam ser dominantes. Sobreviveu o Google e eu lembro-me do Google.
Eu sou passivo e assumidamente progressista, como tal longe de mim condenar quem queira dar para os dois lados. No entanto, aconselho que o faças com uma percentagem muito pequena das tuas poupanças e a consciência de que a diferença entre escolher acções individuais e um casino, não é assim tão grande.
Um milhão de dólares para a Girls Inc. de Omaha
Um dos expoentes mais dramáticos deste confronto entre investidores activos e passivos será a aposta feita no âmbito das long bets promovidas pela Long Now Foundation que opõe o Warren Buffet à Protegé Partners, LLC.
A Fundação Long Now criou estas “long bets“, que são apostas feitas no longo prazo, para que peritos que emitem opiniões não se limitem a mandar filetes de pescada e ponham algum dinheiro nas suas previsões/apostas. Desta forma, pode ser feito um seguimento do quão correctas ou erradas estavam essas previsões e possivelmente aprender algo para o futuro. O resultado da aposta tem de ser doado a uma instuição sem fins lucrativos, o Warren Buffet escolheu a associação Girls Inc de Omaha, cujo lema é difícil de disputar: “We Think Girls Are The Greatest Thing Since Sliced Bread”.
Há quase 10 anos atrás o Warren Buffet fez uma dessas apostas por um prazo de 10 anos que termina a 31 de Dezembro deste ano. Sendo um dos maiores investidores activos de sempre, ele defende uma estratégia de investimento passivo para o cidadão comum, e tentou provar este ponto com esta aposta. Colocou um milhão de dólares em jogo dizendo que não há perito a escolher que acções ou fundos de acções, que consiga melhor performance do que um simples fundo que represente de forma passiva as 500 maiores empresas dos EUA. O Ted Seides da Protege Partners, LLC aceitou o outro lado da aposta e escolheu 5 fundos, cujos nomes nunca foram revelados, geridos activamente para competir com o fundo índice do S&P 500 da Vanguard escolhido pelo Buffet.
Na página 20 da sua carta aos investidores do final de 2016, o Warren Buffet faz um ponto de situação de como está a aposta ao fim de 9 anos. O fundo índice escolhido por ele cresceu a 7,1% ao ano, num total de 65,67% para os 9 anos e o conjunto dos 5 fundos escolhidos pela Protegé cresceu a 2,2% ao ano num total de 21,87% para os 9 anos. Se fosse um jogo de pingue-pong tinha ganho por capote, é quase certo que a estratégia passiva vai mais uma vez sair vencedora.
A regra
A grande lição a retirar daqui é a de não confiar em peritos que dizem que conseguem escolher ações/obrigações/moedas/casas e dizem que sabem se o preço de uma ações/obrigações/moedas/casas vai subir ou descer.
Como o Hayek e a minha Vó Palmira, assumir as nossas limitações de previsão de tudo o que seja fenómeno sócio-económico e como consequência optar por uma estratégia de investimento passivo.
Se quiseres investir parte do teu património em estratégias activas não invistas mais do que o que estaria disposto a gastar no Casino e nunca mais do 5% das tuas poupanças.
Este post faz parte de uma série em que explico ponto por ponto cada um dos passos da checklist para deixares de te preocupar com dinheiro.